Continuo na minha fase de conhecer os poetas beatnik. Li algo sobre Jack Kerouac, William Burroughs e Allen Ginsberg. Notei que é meio como um quebra-cabeça. As pessoas são meio lendárias e os textos de ficção se misturam às vidas. Nem sempre é possível separar suas vidas dos romances e dos poemas. Os ensaios biográficos falam sobre aventuras nos alojamentos das Universidades, álcool e outras drogas, ligaçoes sexuais de vários matizes, projetos, idéias, etc. Curioso ver que uma vida pode conter vários romances e que os romances podem pontuar destinos aqui e ali.
Acabei de ler "E os hipopótamos foram cozidos em seus tanques", que transforma em romance o assassinato de David Kammerer por Lucien Carr. William Burroughs e Jack Kerouac, na pele dos personagens Will Dennison e Myke Ryko, assumem alternadamente a redação dos capítulos. Para Lucien Carr criaram Philipe Tourian e para David Kammerer criaram Ramsay Allen. Durante a leitura senti como se meu trabalho fosse unir fios soltos. Meio perturbador. Nunca sabia muito bem quem, estava falando, se Mike Ryko se Jack Kerouac. (Ou melhor, se a pessoa,se o personagem. Nunca vai se saber).Às vezes parece que a narrativa nos traga para dentro dela, nos levando para um roteiro de bares de calçadas de Nova York. O que encontraremos no próximo bar, na próxima rua, na próxima esquina? Pode ser meio imprevisível e perturbador mas é quase impossível não ir. É como um desafio que faz sentir mais forte o gosto da vida. O que eles fazem é como futucar um vespeiro. Creio que eles gostavam disso. O que é a vida senão isso? Um vespeiro. Não convém futucar sem critério. Mas acho que eles tiravam um divertimento especial de ficar futucando só para ver as vespas se assanhando.Às vezes é preciso se ferir para se sentir mais vivo ou para ver no que dá. Comer vidro é outra metáfora significando mais ou menos a mesma coisa:
"Philip mascou bastante seu vidro e depois engoliu com a água de Agnes.Aí Al comeu um pedaço também e dei a ele um copo d'água para ajudar a engolir. Agnes me perguntou se eu achava que eles iriam morrer, e eu disse que não, que não havia perigo se você mastigasse bastante; era como engolir um pouco de areia. Todo aquele papo de pessoas que morriam de mascar vidro era boato."
Talvez eles quisessem viver o que era necessário sem muitas proteções. O tempo todo eles estão sujos, as casas sujas, os copos sujos. Se sujando com a vida. Se não for assim que graça tem? É como se eles rejeitassem as situações antissépticas. A vida com suas situações confortáveis ou não, fáceis ou difíceis, dolorosas ou prazerosas é sempre a vida e se contaminar com ela é uma maneira de ser autêntico. Ao ler, tive a sensação de pegar carona nesta atitude ousada de se contaminar com a vida:
"Quando ela lhe segredou que o marido era traficante de drogas e de mulheres, ele disse: " Meu Deus! e apertou sua mão."você é a mulher mais corajosa que eu já conheci".
Ora, acontece que o Sr.Tourian também tinha os olhos voltados para o novo mundo. Eram tantos os seus negócios que o número de pessoas ressentidas com ele, por motivos reais ou imaginários, alcançava proporções incontroláveis. Aí ele começou a se meter com um funcionário do consulado americano. Desnecessário dizer, ele não tinha a intenção de seguir os exaustivos passos recomendados pela lei da imigração americana."
Muitos escritores fazem isso. Aliás, essa sede de vida é bem própria da literatura. Mas " e os hipopótamos" o faz o tempo todo e de um jeito especial. A contaminação é assim como um personagem principal. Até certo ponto é interessante.
E os hipopótamos foram cozidos em seus tanques
William S. Burroughs e Jack Kerouac
E os hipopótamos foram cozidos em seus tanques
William S. Burroughs e Jack Kerouac
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