Por que será que voltamos repetidamente ao espelho? É como se a superfície cristalina nos atraísse. Eu sempre me pego estudando meu rosto no espelho. É meio automático. Vou ao quarto apanhar um objeto e me pego numa furtiva olhadela.
Espelhos têm mesmo o seu mistério. Assim o provam os contos de fada, onde os espelhos ocupam lugar de destaque e são humanizados com fala, gestos, vontade e poderes.
Por mais que deploremos a malvada madrasta da Branca de Neve não podemos negar que muito desta personagem habita em nós. Não que sejamos delirantemente cruéis. Apenas tentamos nos certificar que nossa carinha ainda ostenta aquele sorriso encantador e que a curva da sobrancelha garante o olhar penetrante.
Que o espelho convive conosco e que temos uma relação estreita, é certo, porém se ele é amigo ou inimigo é difícil dizer. Parece que seu humor é mutável e manda mensagens muito diversificadas. Às vezes diz que somos uma gata (ou gato) fulminante, e às vezes nós é que saímos fulminados diante das rugas, das imperfeições da pele, dos cabelos embranquecidos etc. Compreensível a decepção. Gostaríamos de conservar para a eternidade a pele macia, os lábios sensuais e a linda cabeleira castanha.
A imagem primordial do nosso rosto pode não nos agradar. De alguma maneira tentamos fazer modificações. Esticamos a pele com os dedos, checamos o sorriso. E toca a repuxar prá lá e prá cá. Nos distraímos alguns minutos neste faz de conta até que a lucidez nos avisa que o puxa-estica não vai dar em nada.
Promissoramente, nosso rosto não é apenas um. Ele é um campo pulsante e vivo onde se misturam diversas visões, estados de espírito, predisposições otimistas e pessimistas. Um mundo de afetos e sentimentos.
Como o espelho é temperamental e o rosto mutável, podemos investir nas oscilações. O melhor é segurar com força os instantes em que o rosto informa onde e como quer ser melhor. Se ele disser que precisa de um batom sensual ou cuidado com os dentes, é melhor ir correndo antes que mal humorado, o espelho insinue que não adianta nada mesmo.
Se a imagem dialoga conosco, podemos aceitar o diálogo e dar ao espelho novas oportunidades para sugestões produtivas. Podemos também fazer uma careta de desânimo e desgosto e o espelho terá de aceitá-la, pois ele precisa de nossa cumplicidade.
Que resposta daremos? É pensar bem na hora de escolher e de alternar. Seria bom escolher a tendência que nos deixa mais feliz e um certo equilíbrio para não forçar a barra como uma madrasta desvairada. Enfim, se amar e ser cuidadosa (ou cuidadoso ) para não se perder na infinitude dos espelhos.
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