Talento de casa também faz milagre
Dia destes fui a uma reunião em casa de um amigo. Dentre os visitantes um menino de nove anos acompanhado de seu violão, com o qual já tinha uma certa destreza. Puxei conversa:
__ você sabe tocar violão?
__ Mais ou menos.
__ Está na escola de música?
__Não. Não precisa estudar não. É só acompanhar pela cifra e ir tocando.
fiquei admirada e contente pelo talento dele ( um dom excelente, inato para a música). Porém, alarmada com tanta inocência. O menino está completamente desavisado. Isto é muito natural devido à sua condição de criança. O que não me parece natural e me deixa ouriçada como um porco espinho, é o vazio, a ausência de algo ou alguém que esteja explicando, mostrando-lhe até onde este talento pode levá-lo no seu amadurecimento como ser humano, ser espiritual, como fonte de gratificação, ganha pão ou até sucesso. Não é muito difícil deduzir que a família não está muito atenta no sentido de aproveitar, borilar este talento. Sei bem que as oportunidades de estudar e se aperfeiçoar não são abundantes na sociedade brasileira. Não sou insensível para as dificuldades de se criar um filho nem para perceber como oportunidades de estudo e aperfeiçoamento não são assim tão disponíveis. Mas para este menino até que o estudo não é tão impossível. Ele não está numa cidadezinha do interior do Nordeste, nem é filho de pais miseráveis e analfabetos. Os fatores de exclusão não são brutais na vida dele. Também não faltam escolas de música no Rio de Janeiro. Há até programas de ensino gratuito. No entanto, não vejo nenhum movimento para criar uma ponte entre o menino e seus mestres de música. Para agravar a escassez de oportunidade temos a inabilidade para aproveitar o pouco que se tem. O problema é que nós, o povo brasileiro, não parecemos alertas sobre o quanto vale um talento e que o talento não está só na televisão, pode estar dentro de casa também.
Nem sempre é assim no Brasil. Há segmentos e grupos sociais ou indivíduos com um senso de oportunidade bastante aguçado. O comportamento alienado em relação às oportunidades, até onde consigo perceber, é característico de grupos mais marcados pela exclusão social, ou seja, negros e/ou pobres, pois no Brasil os negros são pobres e pobres de pele clara vivem em idênticas condições.
É bem provável que com o passar dos anos este menino se dê conta de que tinha um dom a trabalhar. Pode ser que "caia a ficha" e ele veja que teria feito melhor, se tivesse amparado seu talento com estudo e auxílio de mestres. Será benefício da sorte se isto acontecer na juventude, quando ainda estará saudável para sair de casa sob sol, chuva e outros desconfortos para frequentar aulas. Se também já não tiver filhos com outras tantas necessidades que também precisarão ser abordadas de preferência com informação, experiência e acuidade.