Os terreiros, com a bênção dos Orixás, são prolíficos em talentos musicais. Incessantemente cantores, compositores, percussionistas e outros artistas surgem aí como bons frutos em terra adubada. Observando tanto talento me pergunto se também são abundantes as iniciativas no sentido de pesquisar, elaborar, transformar ou recriar a música dos terreiros. O talento está à flor da pele, no entanto, o senso de oportunidade para torná-lo produtivo não parece tão presente.
Como sabemos, o sagrado feminino brasileiro é tremendamente incompreendido, desrespeitado, demonizado e até deturpado por alguns falsos adeptos que entre outras bobagens dizem "trazer a pessoa amada". Mas e nós que levamos a sério? Pensamos em estratégias para mostrar o significado e a importância do culto dos Orixás? A questão é complexa e não ouso dar uma resposta. Porém, venho fazendo algumas reflexões. Podemos fazer da arte um recurso para expressar toda profundidade, a riqueza e a beleza do sagrado feminino brasileiro.
Reparei que há pouca iniciativa em estudar e aprimorar técnicas de canto assim como em pesquisar com mais cuidado a música africana. Pouca experiência com instrumentos diferentes, pouca experiência com mescla de ritmos, inovações etc. Enfim trabalhos que ampliem e recriem a música de terreiro, uma vez que mesmo sendo bela e rica, como qualquer produto cultural precisa dialogar com o mundo a sua volta e enriquecer e ser enriquecido na troca.
Saem muitos cantores do terreiro, uma vez que a música é parte importante dos rituais, mas por diversos fatores, essa musicalidade tão pura e tão forte quem vem do chão nem sempre pode alcançar sua melhor forma. Primeiramente as pessoas têm que ganhar a vida material num emprego que leva a maior e melhor parte de seu tempo e talvez de sua energia. Além disso, o terreiro existe em função de um trabalho espiritual e mediúnico no qual também é preciso investir tempo e energia. O tempo que sobra é para descanso ( e aliás, não sobra muito). Então os estudos musicais e artísticos de um modo geral ocupam um dos últimos lugares na escala de prioridades. De modo que é difícil para nós dos terreiros estudarmos e nos dedicarmos à música e à aquisição de conhecimentos técnicos e teóricos. Porém com todas as dificuldades e empecilhos próprios da vida, é preciso pensar um pouco antes de dizer que o estudo é totalmente impossível. Se a força determinante do meio nos aprisiona na mera repetição de tarefas estéreis voltadas para a sobrevivência por que não mobilizamos dentro de nós uma força para furar este bloqueio, e na medida do possível, procuramos a evolução num nível mais amplo? A nossa "matéria prima" é um ritmo incrível, muita ancestralidade e muita musicalidade. Por maiores e mais difíceis que sejam os obstáculos a vontade e a fé são milagrosas.Com este potencial, podemos ir longe. Tudo é possível para quem acredita, confia e trabalha. Ainda que não alcancemos as metas estabelecidas inicialmente, a vida nunca nos deixa sem resposta. O Universo conspira. O culto dos Orixás há muito que é importante na África e no Brasil e já vai se disseminando por toda a América do Sul. Não vamos esperar que nos dêem valorização de favor, cabe a nós e somente a nós uma consciência mais aguda do nosso valor que será estímulo para trabalhar o potencial dos terreiros e concretizar projetos artísticos belos e interessantes. Alguém duvida que nós podemos?
Nenhum comentário:
Postar um comentário