Lembro-me bem daquele dia distante lá na Ilha do Governador. Eu tinha mais ou menos 13 anos, mas o evento está muito vivo na minha lembrança. Os adultos resolveram levar a criançada à praia. Lá chegando, deparamo-nos com um ritual de Umbanda. Fiquei hipnotizada olhando uma médium que fazia um transe de Iemanjá. Quedei muito admirada diante daquela pessoa fora de si, mas não desgovernada; ao contrário, dançando e gesticulando movimentada por uma força que parecia maior do que ela. Eu ali num encantamento só. Tudo magicamente sedutor. A música, as roupas brancas, a energia que pairava sobre os médiuns em transe, o ritmo dos atabaques.
Bem verdade que a minha volta ninguém parecia perceber nada disso. Até onde entendi, o ritual não foi significativo para mais ninguém. Os adultos compenetrados em distribuir pão com mortadela e impedir que a garotada aprontasse..
Mais para o final da tarde tanto o ritual quanto o nosso passeio acabaram. voltei para casa com aquelas imagens na retina. Décadas depois a visão das pessoas dançando ainda povoavam minha imaginação. Até procurei em alguns terreiros a magia daquele antigo ritual. Porém, não tive muito êxito. As experiências não foram positivas. Eu continuava encantada com os Orixás e sabia que o som dos atabaques era muito conhecido da minha alma, mas não fiz nada acontecer. Hoje compreendo que não confiei no meu coração (andava muito atrasada na arte de seguir esta bússola).Os anos foram passando e eu já havia desistido dos Orixás, quando a mão do acaso, num gesto de generosidade levou-me até a "Cabana do Pai Miguel das Almas."
A Cabana do Pai Miguel é um templo pequeno e simples na Zona Oeste do Rio de Janeiro. É um lugar onde todos, não sendo de maneira nenhuma perfeitos, procuram fazer seu melhor. O astral é maravilhoso e todos que o visitam se sentem muito bem lá. Hoje, agradeço a Deus por ter conhecido esta casa. Depois de muito esperar, finalmente posso participar de rituais belos e profundos e viver momentos de preciosa comunhão espiritual. As palavras parecem falhar quando se trata de expressar a força e amplitude das experiências transcendentais. Só quando nos
permitimos sentir e participar, compreendemos a grandeza de um ritual. Os atabaques chamam os Orixás, os cânticos sucedem-se. Podemos manifestar livremente o que somos, produtos de três raças no Brasil, criaturas cósmicas experienciando no planeta terra. Na paz do nosso templo podemos realizar o que as estruturas mantenedoras do Status Quo, tanto reprimem e negam aos que cultuam os Orixás: Simplesmente SER.
Seguimos enlevados nesta aliança que promove não só o resgate de nossa história coletiva, como também o encontro com nossa história individual. São muitos momentos de convivência prazerosa com nossas entidades. Seus conselhos e abraços têm sido consolo e orientação para seguirmos a jornada terrena. Além dos Orixás; pretos velhos, caboclos, exus catiços, ciganos. Amigos que sob estas identidades astrais, se aproximam aqui desta dimensão para nos dispensar amor e carinho.
Acredito que todos os irmãos de fé sentem parecido. Nossa vida não seria a mesma sem a companhia de nossos guias. São mestres, irmãos mais experientes ou mesmo companheiros de aprendizado predispostos a ajudar, e que assim o fazem dedicada e calorosamente. Que a Suprema Divindade Pai-Mãe, Orixás Sagrados e entidades estejam conosco emanando as melhores vibrações. É muito bom contar com eles que estão sempre intencionando e torcendo para o nosso sucesso.
Saravá Umbanda!
quinta-feira, 26 de maio de 2011
quarta-feira, 25 de maio de 2011
Dear Umbanda
I remember very well that distant day on Governador Beach. I was about thirteen years old, but this day is very alive in my memory. Adults decided to take the kids to the beach. Arriving there, we are faced with a ritual of Umbanda.
I was mesmerized watching a medium in Iemanjá' s trance. I became very admired in face of that person out of himself, but not ungoverned; rather, dancing and gesticulating moved by a force that seemed beyond her. I just lay there in a spell. Everything magically seductive. The music, white clothes, the energy that hovered over the mediuns in trance, the drums's rhythm . Quite true around me nobody seemed to notice none of this. The ritual was not significant to anyone else. Adults were penetrate in distributing bologna sandwiches and prevent the kids make a mess.
By late afternoon both the ritual just as our tour ended. I went back home with those images on the retina. Decades later the sight of people dancing still continue in my imagination. I had even look for the magic of this old ritual in many "Orishas houses", but I had no success. I was still delighted with the Orishas and knew the sound of drums was well known for my soul, but I did nothing. Today I realize that I did not trust in my heart.
The years passed and I had already dropped out of the Orishas when chance brought me to the "Cabana do Pai Miguel das Almas". This is a small and simple temple in western of Rio de Janeiro. It is a place where everyone is not perfect in any way, but all seek to do their best. After a long wait , finally I can participate in rituals beautiful and profound. Words seem to fail when it comes to expressing the force of transcendent experience. The drums call the Orishas, the songs follow one another. We can freely express what we are. Product of three races in Brasil, cosmic creatures experiencing on planet earth. In the peace of our temple we realize what the Status Quo denies those who worship the Orishas: just be.
In addition to the Orishas, Pretos Velhos, Caboclos, Exus Catiços, Ciganos. Friends who approach here this dimension to give us love and affection.
We ask to the Supreme Deith Father/Mother, sacred Orishas and entities be with us emanating the best vribations.
Saravá Umbanda!
I was mesmerized watching a medium in Iemanjá' s trance. I became very admired in face of that person out of himself, but not ungoverned; rather, dancing and gesticulating moved by a force that seemed beyond her. I just lay there in a spell. Everything magically seductive. The music, white clothes, the energy that hovered over the mediuns in trance, the drums's rhythm . Quite true around me nobody seemed to notice none of this. The ritual was not significant to anyone else. Adults were penetrate in distributing bologna sandwiches and prevent the kids make a mess.
By late afternoon both the ritual just as our tour ended. I went back home with those images on the retina. Decades later the sight of people dancing still continue in my imagination. I had even look for the magic of this old ritual in many "Orishas houses", but I had no success. I was still delighted with the Orishas and knew the sound of drums was well known for my soul, but I did nothing. Today I realize that I did not trust in my heart.
The years passed and I had already dropped out of the Orishas when chance brought me to the "Cabana do Pai Miguel das Almas". This is a small and simple temple in western of Rio de Janeiro. It is a place where everyone is not perfect in any way, but all seek to do their best. After a long wait , finally I can participate in rituals beautiful and profound. Words seem to fail when it comes to expressing the force of transcendent experience. The drums call the Orishas, the songs follow one another. We can freely express what we are. Product of three races in Brasil, cosmic creatures experiencing on planet earth. In the peace of our temple we realize what the Status Quo denies those who worship the Orishas: just be.
In addition to the Orishas, Pretos Velhos, Caboclos, Exus Catiços, Ciganos. Friends who approach here this dimension to give us love and affection.
We ask to the Supreme Deith Father/Mother, sacred Orishas and entities be with us emanating the best vribations.
Saravá Umbanda!
segunda-feira, 16 de maio de 2011
Manhã contemplação
Esta nesga de céu
é um roteiro
de nuvens que descem
seus flocos macios
sinceros
silenciosos
estáticos
que multiplicam
seus novelos requintados
esfolam sua pele de luz
se desmancham
em flores redondas
que se deslocam
em tiaras finas
se tresloucam
se chocam
cavam fendas
numa eternidade azul
e deslizam como
vênus despidas
bolhas de sabão translúcidas
cristais rajados
na manhã vaporosa
de vestidos azuis
de lantejoulas prateadas
de tecidos brocados
caindo em cascatas
pelos veios do dia
é um roteiro
de nuvens que descem
seus flocos macios
sinceros
silenciosos
estáticos
que multiplicam
seus novelos requintados
esfolam sua pele de luz
se desmancham
em flores redondas
que se deslocam
em tiaras finas
se tresloucam
se chocam
cavam fendas
numa eternidade azul
e deslizam como
vênus despidas
bolhas de sabão translúcidas
cristais rajados
na manhã vaporosa
de vestidos azuis
de lantejoulas prateadas
de tecidos brocados
caindo em cascatas
pelos veios do dia
Manhã ação
O céu estofado
me embriaga de doçura
me oferece
uma manhã opalina
de oficina
de padaria
de banca de jornal
lençóis em desalinho
vizinhos gritando
cachorros latindo
e eu esqueço na gaveta
o soluço
o sonho
o beijo
o medo
e eu escrevo uma linha
descrevo uma sina
arrumo os lençóis
decido o almoço
começo o alvoroço
descasco batata
leio o jornal
divido o pão
no quarto dos fundos
rezo um terço
xingo a semana
para renascer
para recomeçar
me embriaga de doçura
me oferece
uma manhã opalina
de oficina
de padaria
de banca de jornal
lençóis em desalinho
vizinhos gritando
cachorros latindo
e eu esqueço na gaveta
o soluço
o sonho
o beijo
o medo
e eu escrevo uma linha
descrevo uma sina
arrumo os lençóis
decido o almoço
começo o alvoroço
descasco batata
leio o jornal
divido o pão
no quarto dos fundos
rezo um terço
xingo a semana
para renascer
para recomeçar
domingo, 15 de maio de 2011
Podemos ser jovens para sempre?
Qual de nós não desejou encontrar algumas folhas de plantas dotadas de um mágico poder rejuvenescedor? Desde tempos imemoriais a ânsia pela juventude eterna e o medo da velhice estimulou nossa fantasia a conhecer uma substância com poderes rejuvenescedores. Parece
incrível, mas a natureza é totalmente a favor do nosso desejo de permanecermos jovens. Não é que exista uma planta provedora do famoso elixir da juventude. Sob certos aspectos a situação não é tão fantasiosa e mágica e sob outros aspectos é tão ou mais incrível que a atmosfera das lendas e dos mitos. Inúmeras vezes a realidade mostra-se tão surpreendente e criativa que põe em cheque nossas mais mirabolantes fantasias.
Seria muito fácil tomar uma dose de elixir e clic... ficar novinho em folha, mecanicamente e sem trabalho, bem ao gosto da nossa preguiça. A natureza em vez de nos deixar bagunçar a casa, nos oferta com sínteses muito mais inteligentes e profundas. Como demonstra Deepak Chopra, a consciência é dotada da capacidade de interferir no comportamento das células, órgãos, tecidos e processos bioquímicos que ocorrem no corpo.
Deepak Chopra nos convida para um novo clique consciencial; ensinando-nos a perceber que além da aparente solidez da nossa matéria corporal está o átomo feito primordialmente de espaços vazios e além do átomo o útero do universo, a região pré-quantum, puramente consciência. A idéia é estimular nossa percepção para que ela produza interpretações com o potencial de criação próprio deste campo de infinitas possibilidades. Atitude que ele chama de fluir com a vida. Quanto mais conseguirmos isto, mais o nosso corpo entrará em sintonia com as forças evolutivas do cosmos e mais ganharemos das forças desagregadoras. O que nos permitirá envelhecer graciosamente.
A notícia é feliz e alvissareira. Nos poupa da busca aos elixires, pós, cremes e da tentação das fórmulas. Além de ter a vantagem de nos resgatar dos enganos e engodos de paradigmas materialistas que nos induzem a acreditar que o corpo palpável e concreto é a realidade que sobrepuja o espírito considerado por demais abstrato e inoperante ou até inexistente.
A leitura é agradável e interessante neste momento em que é necessário compreendermos as urgentes mudanças de paradigmas que estão em curso no pensamento ocidental.
incrível, mas a natureza é totalmente a favor do nosso desejo de permanecermos jovens. Não é que exista uma planta provedora do famoso elixir da juventude. Sob certos aspectos a situação não é tão fantasiosa e mágica e sob outros aspectos é tão ou mais incrível que a atmosfera das lendas e dos mitos. Inúmeras vezes a realidade mostra-se tão surpreendente e criativa que põe em cheque nossas mais mirabolantes fantasias.
Seria muito fácil tomar uma dose de elixir e clic... ficar novinho em folha, mecanicamente e sem trabalho, bem ao gosto da nossa preguiça. A natureza em vez de nos deixar bagunçar a casa, nos oferta com sínteses muito mais inteligentes e profundas. Como demonstra Deepak Chopra, a consciência é dotada da capacidade de interferir no comportamento das células, órgãos, tecidos e processos bioquímicos que ocorrem no corpo.
Deepak Chopra nos convida para um novo clique consciencial; ensinando-nos a perceber que além da aparente solidez da nossa matéria corporal está o átomo feito primordialmente de espaços vazios e além do átomo o útero do universo, a região pré-quantum, puramente consciência. A idéia é estimular nossa percepção para que ela produza interpretações com o potencial de criação próprio deste campo de infinitas possibilidades. Atitude que ele chama de fluir com a vida. Quanto mais conseguirmos isto, mais o nosso corpo entrará em sintonia com as forças evolutivas do cosmos e mais ganharemos das forças desagregadoras. O que nos permitirá envelhecer graciosamente.
A notícia é feliz e alvissareira. Nos poupa da busca aos elixires, pós, cremes e da tentação das fórmulas. Além de ter a vantagem de nos resgatar dos enganos e engodos de paradigmas materialistas que nos induzem a acreditar que o corpo palpável e concreto é a realidade que sobrepuja o espírito considerado por demais abstrato e inoperante ou até inexistente.
A leitura é agradável e interessante neste momento em que é necessário compreendermos as urgentes mudanças de paradigmas que estão em curso no pensamento ocidental.
Can we be young forever?
Who has not wished to find some leaves of plants endowed with a magical rejuvenating power. From time immemorial the yearning for eternal youth and the fear of old age stimulated our imagination to know a substance with a strong rejuvenating power. It seems umbeliavable, but nature is totally in favor of our desire to stay young. Actually, there isn't the plant of eternal youth. However, there are other resources. Somehow the situation is not so fanciful and magical. And somehow is more amazing than the atmosphere of the legends and myths. Many times reality is more amazing and creative than our wildest fantasies. It would be very easy to take a dose of elixir and click...young , young, mechanically and without work, to the taste of our laziness. The nature, instead of letting us mess up the house, provide us much more intelligent and profound syntheses. As demonstrated by Deepak Chopra, consciousness is endooowed with the capacity to interfere with the behavior of cells, organs,
tissues and biochemical processes that occur in the body.
Deepak Chopra invites us to a new consciousness click, teaching us to understand that beyond the apparent solidity of our material body, there is the atom made of empty spaces primarily, and beyond the atom, womb of the universe, the pre-quantum region, purely conscience.
The idea is encourage our perception to produce interpretations with the potential to create from field of infinite possibilities. Deepak Chopra calls this attitude "flow with life". The more we can do it, the more our body will come into line with the evolutionary forces of the cosmos and more it defeat the disruptive forces, allowing us to grow old gracefully.
The news is happy and auspicious. Save us from falling into the search for elixirs, powders, of rescuing us from mistakes and decptions created by materialistic paradigm that lead us to believe that the palpable and concret body is the reality more important than spirit considered too abstract and irrelevant or non-existent.
Reading is enjoyable and interesting in this moment because it is necessary for us understanding the urgent paradigm shifts that are taking place in the occidental mind.
tissues and biochemical processes that occur in the body.
Deepak Chopra invites us to a new consciousness click, teaching us to understand that beyond the apparent solidity of our material body, there is the atom made of empty spaces primarily, and beyond the atom, womb of the universe, the pre-quantum region, purely conscience.
The idea is encourage our perception to produce interpretations with the potential to create from field of infinite possibilities. Deepak Chopra calls this attitude "flow with life". The more we can do it, the more our body will come into line with the evolutionary forces of the cosmos and more it defeat the disruptive forces, allowing us to grow old gracefully.
The news is happy and auspicious. Save us from falling into the search for elixirs, powders, of rescuing us from mistakes and decptions created by materialistic paradigm that lead us to believe that the palpable and concret body is the reality more important than spirit considered too abstract and irrelevant or non-existent.
Reading is enjoyable and interesting in this moment because it is necessary for us understanding the urgent paradigm shifts that are taking place in the occidental mind.
sábado, 7 de maio de 2011
Gostoso é ler Machado
Rua estreita. Gente, gente. Gente passando. Indo e vindo. Quase ouço o barulho dos pés pisando os paralelepípedos lustrosos que as pequenas botinas, (às vezes, vindas de Paris) das mulheres tornam a lustrar com seus saltos saltitantes. Botinas e sapatos mais pesados de couro de boi do sertão do Rio de Janeiro, ou trabalhados nas oficinas dos sapateiros europeus. Neste caso, devemos pressupor que os sapatos tenham ornamentos e polainas.
Transversa Uruguaiana acolhe as saias, babados, rendas que passeiam rente ao chão. O cheiro dos morros já fazia parte dos aromas da cidade. Cheiro de cana, café e suor misturados ao silêncio das pedras e ao murmúrio do mar.
Rio, cidade batizada pelo trânsito. O trânsito do Rio nem sempre é fluido. Porém, nos romances de Machado de Assis tudo flui. As palavras, as frases, os períodos. Como um rio profundo evidentemente. Profundidade sem covas sombrias. Leito de rio perfeito, cabendo em si suas águas; de reflexão, de elegância. Rio que flui prazerosamente e distribui generosamente seu prazer.
Genialidade, inteligência, crítica, precisão: inúmeros predicados. Material para uma biblioteca de crítica literária. Sem dúvida, se alguém quer buscar ou crescer, pode treinar seus dons de crítico literário nos textos de Machado. Eu vou como leitora. Leitora de rede. Rede de árvore de sítio, com o silêncio por ajuda. Contando também com os barulhinhos da natureza. Prazer de mergulhar, de esquecer do mundo submersa nas páginas de Machado. Saborear cada palavra que parece nascida ali. Cada frase. Ouvir e sentir o escrito. Tato da alma, audição do coração. O texto de Machado de Assis homenageia a língua portuguesa porque a respeita e a ama. Cuida dela como se cada palavra fosse uma pedra preciosa no conjunto de uma jóia rara. É assim que a língua também acolhe Machado, como o amante ou o filho mais querido. Estes dois entes, isso sim é que é o melhor, convidam quieta e calorosamente o leitor a participar de um mundo especial, desta ceia que oferece beleza, elegância, idéias, metáforas, estilo e muito mais. Infindo, indefinido.
A porta está aberta. Quem quiser pode entrar. Limpe os pés no capacho da porta. Faça silêncio. Cuidado com os tapetes internos pois eles são simples, mas valiosos na moeda sinceridade. Sente-se ou deite-se, pois há cadeiras e sofás. Prove, saboreie, viva.
fragmento do conto "Primas de Sapucaia!"
de Machado de Assis
"Ao chegar à porta de casa, consultei o relógio, como se tivesse alguma coisa que fazer; depois disse às primas que subissem e fossem almoçando. Corri à Rua da Misericórdia. Fui primeiro até à Escola de Medicina; depois voltei e vim até à Câmara dos Deputados, então mais devagar, esperando vê-la chegar a cada curva da rua; mas nem sombra. Era insensato, não era? Todavia, ainda subi outra vez a rua, porque adverti que, a pé e devagar, mal teria tempo de ir em meio da praia de Santa Luzia, se acaso não parara antes; e aí fui, rua acima e praia fora, até ao convento da Ajuda. Não encontrei nada, coisa nenhuma. Nem por isso perdi as esperanças; arrepiei caminho e vim, a passo lento ou apressado, conforme se me afigurava que era possível apanhá-la adiante, ou dar tempo a que saísse de alguma parte. Desde que a minha imaginação reproduzia a dama, todo eu sentia um abalo, como se realmente tivesse de vê-la daí a alguns minutos. Compreendi a emoção dos doidos."
Transversa Uruguaiana acolhe as saias, babados, rendas que passeiam rente ao chão. O cheiro dos morros já fazia parte dos aromas da cidade. Cheiro de cana, café e suor misturados ao silêncio das pedras e ao murmúrio do mar.
Rio, cidade batizada pelo trânsito. O trânsito do Rio nem sempre é fluido. Porém, nos romances de Machado de Assis tudo flui. As palavras, as frases, os períodos. Como um rio profundo evidentemente. Profundidade sem covas sombrias. Leito de rio perfeito, cabendo em si suas águas; de reflexão, de elegância. Rio que flui prazerosamente e distribui generosamente seu prazer.
Genialidade, inteligência, crítica, precisão: inúmeros predicados. Material para uma biblioteca de crítica literária. Sem dúvida, se alguém quer buscar ou crescer, pode treinar seus dons de crítico literário nos textos de Machado. Eu vou como leitora. Leitora de rede. Rede de árvore de sítio, com o silêncio por ajuda. Contando também com os barulhinhos da natureza. Prazer de mergulhar, de esquecer do mundo submersa nas páginas de Machado. Saborear cada palavra que parece nascida ali. Cada frase. Ouvir e sentir o escrito. Tato da alma, audição do coração. O texto de Machado de Assis homenageia a língua portuguesa porque a respeita e a ama. Cuida dela como se cada palavra fosse uma pedra preciosa no conjunto de uma jóia rara. É assim que a língua também acolhe Machado, como o amante ou o filho mais querido. Estes dois entes, isso sim é que é o melhor, convidam quieta e calorosamente o leitor a participar de um mundo especial, desta ceia que oferece beleza, elegância, idéias, metáforas, estilo e muito mais. Infindo, indefinido.
A porta está aberta. Quem quiser pode entrar. Limpe os pés no capacho da porta. Faça silêncio. Cuidado com os tapetes internos pois eles são simples, mas valiosos na moeda sinceridade. Sente-se ou deite-se, pois há cadeiras e sofás. Prove, saboreie, viva.
fragmento do conto "Primas de Sapucaia!"
de Machado de Assis
"Ao chegar à porta de casa, consultei o relógio, como se tivesse alguma coisa que fazer; depois disse às primas que subissem e fossem almoçando. Corri à Rua da Misericórdia. Fui primeiro até à Escola de Medicina; depois voltei e vim até à Câmara dos Deputados, então mais devagar, esperando vê-la chegar a cada curva da rua; mas nem sombra. Era insensato, não era? Todavia, ainda subi outra vez a rua, porque adverti que, a pé e devagar, mal teria tempo de ir em meio da praia de Santa Luzia, se acaso não parara antes; e aí fui, rua acima e praia fora, até ao convento da Ajuda. Não encontrei nada, coisa nenhuma. Nem por isso perdi as esperanças; arrepiei caminho e vim, a passo lento ou apressado, conforme se me afigurava que era possível apanhá-la adiante, ou dar tempo a que saísse de alguma parte. Desde que a minha imaginação reproduzia a dama, todo eu sentia um abalo, como se realmente tivesse de vê-la daí a alguns minutos. Compreendi a emoção dos doidos."
terça-feira, 3 de maio de 2011
Eu, Bin Laden, Charlie Chaplin e Carlos Drummond de Andrade
Alguém pode me perguntar "Por que Charlie Chaplin hoje?", já que o assunto do momento é a suposta morte de Osama bin Laden. Bem, não que haja algum motivo especial. Para mim, todo dia é dia de Charlie Chaplin.
Aproveito e uso um viés maravilhoso: A poesia de Carlos Drummond de Andrade.
Neste poema CDA, escreve a respeito do quanto os filmes de Chaplin ajudaram-no a crescer e a viver alimentando seus sonhos e sua proposta de colaborar para a paz da humanidade.
Para mim é uma oportunidade juntar os dois. São dois artistas divinos. O talento e a criatividade deles não tem limite. Cada obra, tanto de um quanto de outro, são jóias preciosas onde o melhor do sentir e do pensar se adicionam e se combinam bela e harmoniosamente. São obras primas que expressam os valores mais positivos da vida, como amor, paixão, afeto, fraternidade, doçura e poesia.
Canto ao homem do povo Charlie Chaplin
Era preciso que um poeta brasileiro,
não dos maiores, porém dos mais expostos à galhofa,
girando um pouco em tua atmosfera ou nela aspirando a viver
como na poética e essencial atmosfera dos sonhos lúcidos,
era preciso que este pequeno cantor teimoso,
de ritmos elementares, vindo da cidadezinha do interior
onde nem sempre se usa gravata mas todos são extremamente polidos
e a opressão é detestada, se bem que o heroísmo se banhe em ironia,
era preciso que um antigo rapaz de vinte anos,
preso à tua pantomima por filamentos de ternura e riso dispersos no tempo,
viesse recompô-los e, homem maduro, te visitasse
para dizer-te algumas coisas, sob color de poema.
Para dizer-te como os brasileiros te amam
e que nisso, como em tudo mais, nossa gente se parece
com qualquer gente do mundo __ inclusive os pequenos judeus
de bengalinha e chapéu-coco, sapatos compridos, olhos melancólicos,
vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e vivem
nos filmes, nas ruas tortas com tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia,
e vencem a fome, iludem a brutalidade, prolongam o amor
como um segredo dito no ouvido de um homem do povo caído na rua.
...............................................................................................................................
Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo,
que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida,
são duras horas de anestesia, ouçamos um pouco de música,
visitemos no escuro as imagens __e te descobriram e salvaram-se.
Aproveito e uso um viés maravilhoso: A poesia de Carlos Drummond de Andrade.
Neste poema CDA, escreve a respeito do quanto os filmes de Chaplin ajudaram-no a crescer e a viver alimentando seus sonhos e sua proposta de colaborar para a paz da humanidade.
Para mim é uma oportunidade juntar os dois. São dois artistas divinos. O talento e a criatividade deles não tem limite. Cada obra, tanto de um quanto de outro, são jóias preciosas onde o melhor do sentir e do pensar se adicionam e se combinam bela e harmoniosamente. São obras primas que expressam os valores mais positivos da vida, como amor, paixão, afeto, fraternidade, doçura e poesia.
Canto ao homem do povo Charlie Chaplin
Era preciso que um poeta brasileiro,
não dos maiores, porém dos mais expostos à galhofa,
girando um pouco em tua atmosfera ou nela aspirando a viver
como na poética e essencial atmosfera dos sonhos lúcidos,
era preciso que este pequeno cantor teimoso,
de ritmos elementares, vindo da cidadezinha do interior
onde nem sempre se usa gravata mas todos são extremamente polidos
e a opressão é detestada, se bem que o heroísmo se banhe em ironia,
era preciso que um antigo rapaz de vinte anos,
preso à tua pantomima por filamentos de ternura e riso dispersos no tempo,
viesse recompô-los e, homem maduro, te visitasse
para dizer-te algumas coisas, sob color de poema.
Para dizer-te como os brasileiros te amam
e que nisso, como em tudo mais, nossa gente se parece
com qualquer gente do mundo __ inclusive os pequenos judeus
de bengalinha e chapéu-coco, sapatos compridos, olhos melancólicos,
vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e vivem
nos filmes, nas ruas tortas com tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia,
e vencem a fome, iludem a brutalidade, prolongam o amor
como um segredo dito no ouvido de um homem do povo caído na rua.
...............................................................................................................................
Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo,
que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida,
são duras horas de anestesia, ouçamos um pouco de música,
visitemos no escuro as imagens __e te descobriram e salvaram-se.
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