terça-feira, 10 de julho de 2012

Nossas mochilas

           Conheço uma lenda que aborda os riscos e as possibilidades da palavra: Um senhor  manda seu escravo ao mercado buscar a melhor coisa do mundo. O escravo traz língua.Logo após o senhor manda o escravo buscar a pior coisa do mundo. Novamente uma língua. Como assim? indaga o senhor. O melhor e também o pior? Então o escravo começa a argumentar: A língua transmite conhecimentos  que geram sabedoria e amor. A língua produz textos de profunda beleza filosófica que transportam para o papel  trechos iluminados da alma de seus escritores. A língua registra as lições dos colegiais, as quais, ao longo dos anos, passam de rascunhos apressados a profissões e realizações maduras. Na tradição oral encontramos as suaves canções de ninar que são como a terra e a água para fazer desabrochar o pequeno ser. Enfim, desde os bate-papos informais até as parábolas dos avatares, a palavra é como sangue correndo nas veias da civilização e do progresso. Ah! mas tudo tem seu verso e reverso, e a palavra não escapa. Tem sua face sombria: As pequenas mentiras para as pequenas traições. As mentiras dos políticos e demagogos em geral  para enganar o povo e as comunidades numerosas. As mentiras das juras de amor que escondem no mel dos sussurros os gérmens da decepção e da dor. Palavras arrogantes e desdenhosas dos embotados  que julgam o que nem conhecem.
            Esta lenda ocorreu-me porque andei recebendo uns insultos. Experiência estranha.É claro que não é a primeira vez. Como já me envolvi em conflitos, já recebi pela cara agressões, xingamentos e categorizações nada lisonjeiras. Também já emiti meus torpedos, diga-se de passagem. Mas desta vez foi diferente, dirigi-me a pessoa educadamente. Inesperadamente, recebi em  troca adjetivos desqualificadores e estúpidos. Vixe! Assim, foi a primeira vez. Fiquei bastante confusa e morta de raiva. Passados os primeiros momentos as indagações vieram. Eu só me perguntava porquê? porquê?porquê? O que existiu  ou existe em mim que levou a pessoa  a  me ver daquela forma? Penso que talvez alguma característica minha esteja contribuindo  para uma imagem tão pejorativa sem que eu me dê conta.
            Atuais tendências de pensamento dizem que não há acaso no cosmos e que tudo o que nos chega, foi atraído por nós.  Passados os momentos de estupefação e raiva,  deu pra começar a pensar. Não tenho dúvida de que atraí a ocorrência. Não sei muito bem como. Muito provavelmente as respostas chegarão com o auto-conhecimento. Pode ter sido bem desagradável, mas vou aproveitar para aprender e crescer..Participante desta humanidade doente, também carrego minha mochila de mazelas. Minha mochila não pára quieta. O tempo todo é muito remexida, revirada,, arrumada, desarrumada. Esta bagagem de sentimentos, sensações, impressões é rica e preciosa. Pra começar não contém somente as porcarias, também é composta de muitas coisas boas, interessantes, generosas e belas. Crescer é aprender a conviver com as confusões e contradições que sacodem a mochila. Gozado, às vezes enfio a mão lá dentro querendo pegar uma alegria  e pego uma tristeza. Às vezes pego bichinhos  estranhos que picam como marimbondos.Às vezes trago poemas fraternais, canções de amor, nacos de perdão que eu nem sabia que estavam lá. Na minha mochila ocorrem  alquimias incríveis, coisas de Deus e do demônio. Pode parecer esquisito, mas viver é isso mesmo.É cuidar desta bagagem que somos nós vivos, atuantes, agentes, reagentes e tudo o mais que nos cerca e representa  os mais diversos estímulos. Ninguém escapa da sua mochila. Ela faz parte de nós até a medula. Não é tão mau se entendemos a sua linguagem e o seu modo de operar. Crescer é fácil ou difícil? Não sei dizer. Crescer é crescer e nada substitui crescer.
              Sei que não carrego a minha mochila com a leveza de uma bailarina nem com a destreza de um atleta. Mas a localizo bem nas  costas e mantenho o equilíbrio . Respeito a hora de parar e de pedir ajuda. Desta vez enfiei a mão lá dentro e puxei uma fatia de compreensão para comigo e para com o outro . E veio também um imenso tecido de fé, perdão e confiança no criador onipresentemente presente em nossas vidas que nos conforta e nos mostra o horizonte  infinito quie se prolonga numa fonte de dádivas. Veio também um aviso para prestarmos atenção, porque muitas vezes alguns conteúdos da mochila arreganham a fuça como serpentes mas não passam de inofensivas e tolas minhoquinhas.