segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Espelho meu

                Por que será que voltamos repetidamente ao espelho? É como se a superfície cristalina nos atraísse. Eu sempre me pego estudando meu rosto no espelho. É meio automático. Vou ao quarto apanhar um objeto  e me pego  numa furtiva  olhadela.
                Espelhos têm mesmo o seu mistério. Assim o provam os contos de fada, onde os espelhos  ocupam lugar de destaque e são humanizados  com fala, gestos, vontade e poderes.
                Por mais que deploremos  a malvada madrasta da Branca de Neve  não podemos negar  que muito desta personagem  habita em nós. Não que sejamos  delirantemente cruéis. Apenas  tentamos  nos certificar  que nossa carinha ainda ostenta aquele sorriso  encantador e que a curva da sobrancelha garante o olhar penetrante.
                Que o espelho convive conosco e que  temos  uma relação estreita,  é certo, porém se ele é amigo ou inimigo é difícil dizer. Parece que seu humor é mutável e  manda mensagens muito  diversificadas. Às vezes  diz que somos uma gata (ou gato) fulminante,  e  às vezes nós é que saímos  fulminados diante das rugas,  das imperfeições da pele, dos cabelos embranquecidos etc. Compreensível a decepção. Gostaríamos  de conservar  para a eternidade a pele macia, os lábios sensuais e a linda cabeleira castanha.
                A imagem primordial  do nosso rosto pode não nos agradar. De alguma maneira tentamos  fazer modificações. Esticamos a pele  com os dedos,  checamos o sorriso. E toca a repuxar prá lá e prá cá. Nos distraímos  alguns minutos neste faz de conta até que a lucidez  nos avisa que o puxa-estica não vai dar em nada.
                Promissoramente, nosso rosto não é apenas um. Ele é um campo pulsante e vivo onde  se misturam diversas visões,  estados de espírito,  predisposições otimistas e pessimistas. Um mundo de afetos e sentimentos.
                Como o espelho é temperamental  e o rosto mutável,  podemos  investir nas oscilações. O melhor é segurar com força os instantes  em que o rosto  informa onde e como quer ser melhor. Se ele disser que precisa de um batom sensual  ou cuidado com os dentes, é melhor ir correndo antes que mal humorado,  o espelho  insinue que não adianta nada mesmo.
                 Se a imagem  dialoga conosco,  podemos aceitar o diálogo e dar ao espelho novas oportunidades  para  sugestões produtivas. Podemos também fazer  uma careta  de desânimo  e desgosto  e o espelho terá de aceitá-la, pois ele precisa  de nossa  cumplicidade.
                Que resposta daremos? É pensar bem na hora  de escolher e de alternar. Seria bom  escolher a tendência  que nos deixa  mais feliz e um certo equilíbrio  para não forçar  a barra como uma madrasta desvairada. Enfim,  se amar e ser cuidadosa  (ou cuidadoso )  para não se perder na infinitude  dos  espelhos.      
                 
         

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