domingo, 25 de março de 2012

Exclusão social gera auto exclusão III

                                                    A música dos terreiros


             Os  terreiros, com a bênção dos Orixás, são prolíficos  em talentos musicais. Incessantemente cantores, compositores, percussionistas e outros artistas surgem aí  como bons  frutos em terra  adubada. Observando tanto  talento me pergunto  se também  são abundantes  as iniciativas  no sentido de pesquisar, elaborar,  transformar  ou  recriar  a música  dos terreiros.  O talento   está à flor da pele, no  entanto,  o senso de oportunidade para torná-lo  produtivo  não parece tão presente.

             Como sabemos, o sagrado feminino  brasileiro  é tremendamente  incompreendido, desrespeitado, demonizado e até  deturpado por alguns  falsos  adeptos que entre outras bobagens  dizem  "trazer a pessoa amada".  Mas e nós que levamos a sério? Pensamos em estratégias  para mostrar o  significado  e a importância do culto dos  Orixás? A questão é complexa  e não ouso  dar uma resposta. Porém,  venho fazendo algumas  reflexões. Podemos fazer  da  arte um recurso  para expressar  toda profundidade,  a riqueza e a beleza  do sagrado feminino  brasileiro.

             Reparei que  há pouca iniciativa  em estudar  e aprimorar  técnicas  de canto assim como em   pesquisar com mais cuidado a música africana. Pouca  experiência com instrumentos  diferentes,  pouca  experiência  com  mescla  de ritmos, inovações etc.  Enfim  trabalhos que  ampliem e recriem  a música de terreiro, uma vez que  mesmo  sendo bela e rica, como qualquer  produto  cultural precisa dialogar  com o mundo a sua volta e enriquecer e ser enriquecido na troca.

              Saem muitos cantores  do terreiro,  uma vez que a música  é parte  importante  dos rituais,  mas por diversos fatores, essa musicalidade tão pura e tão  forte  quem vem do chão nem sempre pode  alcançar  sua  melhor forma. Primeiramente as  pessoas têm que ganhar a vida material num  emprego que leva a  maior  e melhor parte de seu tempo  e talvez de sua  energia. Além disso,  o  terreiro  existe em função de um trabalho  espiritual  e  mediúnico  no qual  também  é preciso  investir tempo e energia.  O tempo que sobra é para  descanso ( e aliás, não sobra muito). Então os estudos musicais e artísticos de um modo  geral ocupam um dos últimos  lugares na escala de prioridades. De modo que é difícil  para nós dos terreiros  estudarmos e nos dedicarmos  à música  e à aquisição  de conhecimentos técnicos  e  teóricos. Porém com todas  as  dificuldades e empecilhos  próprios  da  vida,  é preciso  pensar um pouco  antes de dizer que o estudo  é totalmente impossível.  Se a força determinante  do meio nos  aprisiona na mera repetição de tarefas  estéreis  voltadas  para  a sobrevivência por que não mobilizamos dentro de nós uma força para furar este bloqueio, e na medida do possível, procuramos  a evolução  num nível mais  amplo? A nossa "matéria prima" é um ritmo incrível, muita  ancestralidade e muita musicalidade.  Por maiores e mais difíceis  que sejam os obstáculos  a vontade e a fé são milagrosas.Com este potencial, podemos ir longe. Tudo  é possível para quem  acredita, confia e trabalha. Ainda que não alcancemos  as metas estabelecidas inicialmente, a vida nunca nos deixa sem resposta. O Universo conspira. O culto dos Orixás há muito que  é importante na África e no Brasil e já vai se  disseminando  por toda  a América do Sul.  Não vamos esperar  que nos dêem valorização de favor, cabe a nós e somente a nós  uma consciência mais aguda do nosso valor  que será estímulo  para trabalhar o potencial dos  terreiros  e concretizar  projetos artísticos  belos e  interessantes. Alguém  duvida que nós podemos?

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